sexta-feira, 10 de maio de 2013

Análise de Obra, Análise Crítica


Autor da Capa Uendel Dias


FILHO, Newton Emediato. Todos os dias de ontem. Belo Horizonte: Usina do Livro, 2012.

Palavras-chave: Contos brasileiros; Ficção brasileira; Sertão


Newton Emediato, filho do campo, nos presenteia com uma obra curiosa, estórias e histórias, contadas de uma maneira um tanto romanesca bem como “Grande Sertão Veredas”, de João Guimarães Rosa. Mas não é de amor roseano que seus contos retratam, é da seca interior, é bem  ao estilo de “Vidas Secas”, o sertão que existe em cada um de nós e que se agrura de forma mais aguda nos sertanejos na luta esperançosa de vida naquelas terras insólitas.
Os contos deixam o leitor a perder de vista no enredo, um suspense sugestivo fica solto no ar, não se conclui a história com a elucidação dos fatos. Cabe ao leitor ter a imaginação de possíveis desfechos e desdobramentos da história. Eis a forma pela qual perpassa a escrita dessa obra, em todos os contos sem exceção. A história não é linear, o conto tem seu ápice, mas os constantes suspenses que levam o leitor a uma ânsia pelo final, um desfecho provável, que na verdade torna-se improvável.
“Sertão é o que está dentro da gente” (Guimarães Rosa), e esse sentimento é o que se encontra nas veredas secas do ser... A vida campesina é o retrato dos contos de Newton Emediato Filho em “Todos os dias de ontem”. Cada conto relata possíveis sobrevivências de um povo malogrado pela seca, pelo desdém social. A vida campesina é um esboço da distância, do isolamento, do ermo, do saudosismo de uma vida regressa. Tempos mudaram e junto vieram o abandono e tudo passou por mera nostalgia de um lugar que antes fora longínquo, puro e bom.
Percebe-se de modo geral, a presença do silêncio. O silêncio do tempo, o silêncio entre duas pessoas, o silêncio da dor, da tristeza e da sequidão. Assim como o silêncio de Fabiano, personagem de “Vidas Secas” de Graciliano Ramos, um silêncio que diz tudo e não diz nada. Uma linguagem sígnica representada no gesto, na expressão da ausência que significa mais do que a falta da água e da palavra, falta essas que secam a voz de muitos personagens. Silêncio que se perde na dura vida que silencia o grito interior, o sentimento não correspondido, o grito interior silenciado pelas lágrimas da personagem Luna, o silêncio da morte, da perda. O sertão é silêncio, a vida campesina longe do barulho é silêncio e paz. A aridez sertaneja não é apenas geológica é interiorana, ela adentra e enrijece a alma.
Newton é um profundo conhecedor e pesquisador de Guimarães Rosa, percebe-se em seus contos a vida do campo, mas o sertão é uma linha imaginária que percorre o norte de Minas e também seus contos. A dicotomia de um lugar cuja produção ainda sobrevive às duras penas. As dificuldades são constantes e presentes em toda a obra, uma marca da vida sertaneja, labuta diária pela sobrevivência, buscando alimento físico e interior. Ser-tão, chão seco, árido e improdutivo, ironia de quem extrai dessa terra argilosa, a arte de uma economia criativa, mais uma vez a sobrevivência persiste. 
As relações humanas é a pauta constante na obra, como lidar com o outro, com o silêncio do outro, a mudez de não saber se expressar pela falta que a escola fez, dirimindo a escrita e a língua. O sertanejo é iletrado, não consegue lidar com a vida social pela falta de estudos, não tem capacidade nem de usar da sua experiência para dar conta das negociações da vida. Negociações essas que exigem dele leitura e articulação retórica para estar em convívio social, por essas e tantas outras dificuldades o sertanejo vive isolado, longe e distante. Ele só consegue dialogar consigo mesmo. Internalizando seus pensamentos, anseios e ideias. Mudo.
Ao contrário de Grande Sertão, em “Todos os dias de ontem”, o linguajar dos personagens não é recheado de neologismos, não apresenta vocábulos de retirantes nem de sertanistas, a ambientação rememora os campos montanhosos. Retrato de Minas que sobe cada vez mais ao norte e perde de vista o verde das montanhas pra ganhar o amarelo marrom da argila bruta. Brutez da vida que se molda nas mãos de Luna e se esvai sob o olhar de Lina. Doces são as jabuticabas onde raras cidadelas sobrevivem ao rio perene, ali a vida é diferente, não tem argila, não tem uma vida, tem várias...estórias mais que não querem calar pelas mãos de Newton Emediato Filho.
Todos os contos da obra pode-se extrair o látex que a borracha não conseguiu apagar, desmanchar!
Isa de Oliveira
Poeta, escritora e artista
Mestranda em Estudos de Linguagem – Letras / CEFET-MG
MAI/2013