domingo, 26 de junho de 2011

Fragmentos Um carro de Bois que Transportava Logos

Logo acima depois do Brejão, perto da nascente d’água, numa fazenda quase abandonada, é o local do velho engenho incrustado nos morros. Ali, tempos passados, pessoas mil o trabalho atraia no fazer de açúcar preto, melaço e rapadura.



                                               &&&&&&&&&&&&&&



No caminho de volta, já na estrada, abaixo da linha de ferro, o eixo do carro de bois aos poucos vai esquentando. Basta secar um pouco e o canto agudo, mascado, torna-se grave até atingir o seu canto estridente, original. As mulheres da cozinha quando ouvem de longe o canto de agudo pra grave do carro de bois, canto arrastado, se apressam no avanço das panelas no fogão de lenha.          

Seu Esteves, da janela de seu quarto, ruborizado e esbraveja, não acredita, enche os meninos com suas palavras iradas, ao avistá-los deitados sobre as espigas de milho, ainda molhadas, refletidas pelos raios do sol. Já é quase hora do almoço. Assim o carro de bois entra pelo curral da fazenda e esbarrara de cantar de vez. A porteira bateu... O milho secando... E o movimento dos homens.

                                                    &&&&&&&


 
A Casa do Jaleco



O retiro, de nome Jaleco, é daqui a algumas léguas: uma invernada cobiçada, de bons pastos, principalmente na época das águas e depois na seca por se tratar das baixadas recônditas onde se preserva o verde, e a água. Seu Esteves o utiliza para a engorda do gado solteiro e num piquete mais próximo para as vacas mojadas. Esse piquete se expande até na divisa com o pasto, nos arredores da fazenda, na porteira do alto.

                                                    &&&&&&&



Nos três poços da Caruaba sempre que possível é bom nadar lá. Águas que vêm do Brejão do Jaleco, as mesmas da cachoeira a duas léguas morro acima. Primeiro perpassam pela bueira – nível de passagem férrea –, e daí formam pequeno poço. O segundo poço é o preferido; nem fundo nem raso. O terceiro é fundão e redondo, sombreado por quatro grandes árvores de ingás, perigoso para todos os meninos. Há tempos, neste poço, um homem, modo de pegar bons peixes, fez explodir algumas de bananas de dinamite. A água dali corre num desfiladeiro para confluir com o Rio Paraopeba. 



                                                   &&&&&&&&&&&&&77



O quarto do fundo é dormitório dos meninos, é quando lá se recolhem, ficam de olhos acesos tentando descobrir as palavras que foram colhidas e coladas com grude, de jornais e revistas, na janela fechada, pelo tio irreverente, excêntrico e arrivista. É o tio Lolival, e não podia ser outro.

  – Feche a janela pra mim poder ver e enxergar e encontrar as palavras! – Exigiu Gugulim, deitado em sua cama.

Tarde da noite, um ou outro adulto ia tirar à água da usina e desviá-la, a partir daquele instante, para mover o munho. A fazenda inteira fica no escuro.

Os meninos, debaixo das mantas de dormir, tentavam descobrir as palavras, disputando para ver quem as encontram mais rápido. Num canto do quarto do fundo uma cama está sempre pronta à espera do tio Lolival, que também gosta de brincar de encontrar as palavras. Cada hora era um que escolhia a palavra que deveria ser descoberta. O primeiro a encontrá-la era quem procurava a próxima palavra que todos os outros deveriam procurar no mosaico estampado na janela, e assim por diante. Gugulim com seus olhos arregalados não perdia tempo, e logo apontava com o dedo o achado: a palavra. A luz da lâmpada ia se apagando lentamente e as palavras não mais eram vislumbradas, mesmo com as vistas apertadas dos meninos tentando descobri-las. Nas camas, sonolentos, todos adormeceram no escuro.





                                            &&&&&&&&&&&&&&&









O carro de bois, vazio nesse instante, vai atravessar o Rio Paraopeba de águas turvas. Acima das cabeças, as folhas e galhos das árvores ciliares. A sombra salutar. Zé do Buteco abaixa a sua cabeça, arrumando seu velho boné de soldado do Exército.



                                              

Zé do Buteco sabe muito bem que atravessar o rio com o carro de bois leve é mais difícil que ele totalmente pesado, porque pesado o carro tem atrito poderoso no chão das águas. Porque a própria tração da força exercida pelos bois em equilíbrio com a força da correnteza, irada, faz com que o carro só então siga o caminho certo.

                                                      &&&&&&&&&&&



Durante os meses de maio e junho, que denotavam ares de rumos melhores ou inusitados, inesperados, e em dias secos, o sol mesclado com o frio das montanhas, capim queimado, e por dentro da casa grande, sua dona se sentia com o corpo morno e podia avistar todo o recanto com sua curiosa fiscalização diária.


 
Cheiro de Sol Nas Tardes de Domingos





No sol comprido de meio-dia, depois do almoço e início da tarde, os meninos preguiçosos, durante conversa, pensavam em diferentes invenções de divertimentos. Tio Lolival, desinquieto com as mãos cheias de pedaços de madeira, fazia grude em caneco velho encostado na trempe do fogo de lenha, e sobre a mesa de tudo se pode imaginar: martelos, e a truquês, dos grandes e dos menores; pregos de todos os tipos; furão; arames; taquaras de bambu bem alinhavadas; e apetrechos maneiros.   









Palavras

A velha cambona, outrora de boa serventia, permanece no canto escuro da despensa, abandonada. Antes era de grande utilidade: viajava à noite, caçava, pescava, pegava frango no quintal, atendia as visitas que chegavam de viagem, iluminava o caminho da estrada. Consumia bastante querosene e seu lume tinha enorme raio de ação.

Nenhum comentário:

Postar um comentário