domingo, 6 de novembro de 2011

O Tempo de Um Livro

                                            
                                                         


    Numa pequena cidade, provavelmente nos fins da década de 50, o trem de passageiros, com atrasos imprevisíveis, teve que ficar parado por algum tempo, naquela distante estação. Os viajantes se acomodaram como puderam dentro dos vagões e outros ficaram pela plataforma a zanzar. A notícia primeira seria que o trem atrasaria algumas horas, porém veio a notícia de que passariam a noite toda ali. Como os vagões não ofereciam comodidades nem conforto, os viajantes saíram para satisfazer emergentes necessidades.
   
    Quem mais aproveitou dessa situação fora a dona do café que no meio da plataforma vendia quitandas, salgados... Ela trazia uma enorme chaleira de café quente, na mão direita, enquanto subia por uma escada perpendicular, que ligava a rua de baixo com o nível ferroviário e dona Alzira com uma agilidade impressionante, deixava qualquer artista circense com inveja. Logo em seguida, vinha sua única filha, dona de um corpo escultural e que atraía os olhares maliciosos dos homens. Anina, na trilha da mãe, trazia um cesto apinhado de pastéis a exalar aromas e fumaças... Dona Alzira pedia à filha que buscasse tudo que podia ser vendido. Ah, lá de dentro ia e vinha Anina!...

– Agora sim, a coisa melhorou muito – alguém dentro do trem de passageiros, com a cabeça fora da janela, dizia com brilho no olhar.

Enquanto isso, a cantina improvisada no meio da estação logo enchia de gente... Um daqueles passageiros, com trajes excêntricos, usava terno com gravata borboleta e com ar circunspecto, saboreava a xícara de café e pronunciava com reverência:

– Maravilha de sabor. Por gentileza, mais um bolinho de chuva!...
    
    Os bares rústicos se transformaram em restaurantes e ficavam  lotados. Bêbados em um bar de esquina brigaram e xingaram palavrões. Os passageiros de segunda classe, aproveitando a ocasião, se infiltraram nas algazarras, pois com esses divertimentos o tempo logo passava. Um homem, com ar de europeu saía do hotel, ansioso e caminhava pela cidade. Circulava, observava e registrava em sua mente trejeitos e paisagens humanas. Os ouvidos dele funcionavam tal como orelhas de um coelho assustado a perscrutar o eventual risco de vida e seu olfato era semelhante ao das abelhas em busca de néctar...

    O cenário era de frio e desolação. Tal senhor desejava enxergar o impalpável, o que pudesse. E procurava ao redor uma companhia, amigo que seja. Queria alguém que dissesse qualquer palavra... O que faz um homem a acreditar em algo impossível e, mesmo diante do deserto, acreditar nas miragens que são as imagens vindas de uma vereda longínqua – imaginava o nobre homem. Pudesse carregava no seu âmago o sertão... Com olhos penetrantes trazia numa das mãos dois volumes de Corpo de Baile e ainda passara horas a caminhar pela cidade, e embora já exausto, não se resignou ao perceber a vacuidade humana.
   
    Pela manhã saía do único hotel que ali havia e que não acomodava a todos. Prosseguia vicejante até que se aproximou de um provável vaqueiro e o saudou:  bom-dia...
Como não obteve êxito para um bom início de conversa, logo adiantou a abordagem:

– Bom dia, amigo! Aceite um presente cordial, de bom agrado! – Disse numa tentativa de presenteá-lo com aqueles dois livros.  
A perplexidade do sertanejo lhe trouxe um incômodo ainda maior.
– É apenas um presente!... – Completou o senhor.

– Eu não quero! Eu não aceito... Nunca vou ler um livro desse tamanho! Ainda mais dois!

– Pode aceitar, é apenas um presente...

– Mas por que eu? Eu não conheço sua pessoa – e encarava pela primeira vez, aquele homem de rosto radiante, sem entender tamanha ousadia, assim do nada.
   
    O viajante, por fim, depois de muito insistir, conseguiu seu objetivo de deixar naquele fim de mundo, dois livros de sua autoria que teve traduções em diversas línguas. O homem fino e atilado, perfilando-se em seu sorriso fechado, agora de mãos livres, caminhava rumo à estação erma daquele território das Gerais. Prosseguiria viagem à capital do Brasil e de lá voaria até o velho continente com o qual ele também tanto se encantava.

7 comentários:

  1. Mônica L. Costa disse...
    Oi, Newton!
    Que prazer em ler o seu conto! Principalmente pelo personagem, meu escritor brasileiro favorito, eu já li quase tudo dele, só não tenho um livro.
    Gostei do seu estilo, e fico feliz com a escolha do tema!
    Parabéns!
    Um abraço carinhoso,

    Monique

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  2. Olá Newton!
    Que conto gostoso de se ler! Parabéns!

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  3. Bem merecido o premio, minas e assim só de ir La você se encanta e se encontra na recepção das paisagens que encontra na viajem porem muitos lugares onde eu vivi na roça sei que já não existe, porém as lembranças estão guardadas no meu coração! Amei seus contos são a cara da minha gente, me deu saudade...Abraços...

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  4. Newton, Você relatou a dificuldade de um escritor em um conto muito legal.

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  5. Delícia de leitura, Newton! - Parabéns! - Abração

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  6. Parabéns pelo conto, Newton. Aliás, seu blog é um espaço bastante enriquecedor para todos nós que somos apaixonados pela leitura. Você tem um estilo peculiar que nos é prazeroso de ler. Te desejo grande sucesso nessa jornada!
    Abraços!

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  7. Muito interessante este conto e gostei bastante.
    Carinhos e parabéns, Luli

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