Numa pequena cidade, provavelmente nos fins da década de 50, o trem de passageiros, com atrasos imprevisíveis, teve que ficar parado por algum tempo, naquela distante estação. Os viajantes se acomodaram como puderam dentro dos vagões e outros ficaram pela plataforma a zanzar. A notícia primeira seria que o trem atrasaria algumas horas, porém veio a notícia de que passariam a noite toda ali. Como os vagões não ofereciam comodidades nem conforto, os viajantes saíram para satisfazer emergentes necessidades.
Quem mais aproveitou dessa situação fora a dona do café que no meio da plataforma vendia quitandas, salgados... Ela trazia uma enorme chaleira de café quente, na mão direita, enquanto subia por uma escada perpendicular, que ligava a rua de baixo com o nível ferroviário e dona Alzira com uma agilidade impressionante, deixava qualquer artista circense com inveja. Logo em seguida, vinha sua única filha, dona de um corpo escultural e que atraía os olhares maliciosos dos homens. Anina, na trilha da mãe, trazia um cesto apinhado de pastéis a exalar aromas e fumaças... Dona Alzira pedia à filha que buscasse tudo que podia ser vendido. Ah, lá de dentro ia e vinha Anina!...
– Agora sim, a coisa melhorou muito – alguém dentro do trem de passageiros, com a cabeça fora da janela, dizia com brilho no olhar.
Enquanto isso, a cantina improvisada no meio da estação logo enchia de gente... Um daqueles passageiros, com trajes excêntricos, usava terno com gravata borboleta e com ar circunspecto, saboreava a xícara de café e pronunciava com reverência:
– Maravilha de sabor. Por gentileza, mais um bolinho de chuva!...
Os bares rústicos se transformaram em restaurantes e ficavam lotados. Bêbados em um bar de esquina brigaram e xingaram palavrões. Os passageiros de segunda classe, aproveitando a ocasião, se infiltraram nas algazarras, pois com esses divertimentos o tempo logo passava. Um homem, com ar de europeu saía do hotel, ansioso e caminhava pela cidade. Circulava, observava e registrava em sua mente trejeitos e paisagens humanas. Os ouvidos dele funcionavam tal como orelhas de um coelho assustado a perscrutar o eventual risco de vida e seu olfato era semelhante ao das abelhas em busca de néctar...
O cenário era de frio e desolação. Tal senhor desejava enxergar o impalpável, o que pudesse. E procurava ao redor uma companhia, amigo que seja. Queria alguém que dissesse qualquer palavra... O que faz um homem a acreditar em algo impossível e, mesmo diante do deserto, acreditar nas miragens que são as imagens vindas de uma vereda longínqua – imaginava o nobre homem. Pudesse carregava no seu âmago o sertão... Com olhos penetrantes trazia numa das mãos dois volumes de Corpo de Baile e ainda passara horas a caminhar pela cidade, e embora já exausto, não se resignou ao perceber a vacuidade humana.
Pela manhã saía do único hotel que ali havia e que não acomodava a todos. Prosseguia vicejante até que se aproximou de um provável vaqueiro e o saudou: bom-dia...
Como não obteve êxito para um bom início de conversa, logo adiantou a abordagem:
– Bom dia, amigo! Aceite um presente cordial, de bom agrado! – Disse numa tentativa de presenteá-lo com aqueles dois livros.
A perplexidade do sertanejo lhe trouxe um incômodo ainda maior.
– É apenas um presente!... – Completou o senhor.
– Eu não quero! Eu não aceito... Nunca vou ler um livro desse tamanho! Ainda mais dois!
– Pode aceitar, é apenas um presente...
– Mas por que eu? Eu não conheço sua pessoa – e encarava pela primeira vez, aquele homem de rosto radiante, sem entender tamanha ousadia, assim do nada.
O viajante, por fim, depois de muito insistir, conseguiu seu objetivo de deixar naquele fim de mundo, dois livros de sua autoria que teve traduções em diversas línguas. O homem fino e atilado, perfilando-se em seu sorriso fechado, agora de mãos livres, caminhava rumo à estação erma daquele território das Gerais. Prosseguiria viagem à capital do Brasil e de lá voaria até o velho continente com o qual ele também tanto se encantava.