sábado, 23 de agosto de 2014

Análise crítica de Rogério Salgado





Rogerio Salgado


Quando em 2004 publicou seu livro de estreia Um carro de bois que transportava logos (Edição do Autor), apesar de ser uma grande obra, notava-se uma forte influência do escritor Guimarães Rosa em sua obra e isso é normal num primeiro livro. Agora nos chega às mãos Todos os dias de ontem (Usina de Livros), onde se percebe que seu autor desprendeu-se de influências e tomou seu próprio rumo, num livro muito bem escrito, aproximando-se da perfeição literária.

Neste seu segundo livro Todos os Dias de Ontem, Newton Emediato Filho reúne vinte contos inéditos da melhor qualidade. Sendo um projeto premiado pelo Programa + Cultura Bacia do Rio São Francisco/ FUNARTE e Ministério da Cultura, o trabalho coleta histórias de tradição oral contadas na região Centro-Sul de Minas: Alto do Paraopeba; levando em conta a alteridade.

Todos os Dias de Ontem fala de amor e é antes de tudo, um livro poético a começar pelo título, assim como em vários parágrafos do texto em si, como no encerramento do segundo conto, em que diz: “Lina nunca mais teve notícias de Luna. Estas são lembranças que evaporam-se no ar.” Nota-se as metáforas e imagens que só um grande escritor imaginarias para suas escritas. Aliás, é no fechamento dos contos que percebemos sempre uma surpresa e é quando o autor vai aos extremos de sua capacidade criadora, deixando-nos surpreendidos. Neste livro, podemos sentir que seus personagens, mesmo matutos, tem muitas vezes poesia em seu linguajar, como no conto “Retumbação” onde o vaqueiro Sim fala para Salazarte: “- O amor é como uma primavera deve ser apreciada direito, senão o sujeito não vai aproveitar o mais bonito da vida.” Uma das características mais impressionantes do livro são justamente os diálogos bastante originais, assim como os nomes de seus personagens.

Segundo palavras do autor, ele sentiu-se motivado a escrever este livro quando esteve em contato com várias comunidades remanescentes, compostas por quilombos e fazendas tradicionais, onde interagiu com vários informantes que habitam estas regiões e ali realizou-se o que se chama na Antropologia de Observação Participante. Ao ouvir estas pessoas, registrou em forma de contos, histórias de tradição oral que são contadas por essa gente. Segundo ele, a relevância em divulgar estes relatos, é uma tentativa de conscientizar os leitores a refletir sobre a importância da preservação desta cultura regional que se fragiliza a medida que o avanço tecnológico se aproxima. Em contramão desta desvalorização que vem acontecendo, neste projeto há um resgate destas tradições, levando-as ao conhecimento do mundo. Juntamente à cultura local que se perde gradualmente, também a língua se acultura, assimilando palavras do universo exterior. O resgate deste linguajar sertanejo, não tem por intenção manter a língua estática, uma vez que compreende a dialética do mundo. Todavia, quer mostrar a resistência linguística que ainda sobrevive paralela a este conflito. Portanto, o maior dos motivos de um trabalho desta natureza é o respeito à alteridade, quando leva o leitor a perceber que a valorização da cultura do outro é imprescindível. Somente assim é possível amenizar o impacto cultural entre as diferentes regiões culturais do mundo.

O escritor e pesquisador Newton Emediato Filho, natural de Belo Vale, Minas Gerais. É autor de vários ensaios sobre a obra de João Guimarães Rosa e outros. Seu conto Um Papagaio Palimpséstico recebeu os prêmios: Projeto Manuelzão/UFMG e Menção Honrosa pela Editora Guemanisse, deTeresópolis/RJ. Também foi premiado no Concurso Guimarães Rosa com o conto O tempo de um livro na IV Jornada Guimarães Rosa/UFMG, organizada pela Associação Brasileira de Médicos Escritores. Participou ainda do livro Asgard: A Saga dos Nove Reinos, lançado em 2011 pela Editora Jambô, com o conto Em Transe. Atualmente representa a Seccional da Associação Internacional dos Poetas Del Mundo de Minas Gerais. Também é Embaixador Universal da Paz pelo Círculo de Embaixadores Universais da Paz Genebra/Suíça.

Todos os Dias de Ontem é antes de tudo, um grande livro, escrito por um autor que tomou seu próprio rumo, pelo qual podemos considerá-lo uma das melhores revelações do conto brasileiro neste novo século em que vivenciamos.

Fonte:http://poetarogeriosalgado.blogspot.com.br/2013/03/todos-os-dias-de-ontem-de-newton_30.html




Resenha de Rodrigo Conçole


O livro de Newton Emediato Filho - Todos os dias de Ontem -, é um rico retrato dos tipos humanos, fatos e do imaginário do sertão. Jabuticabas Noturnas é um belo quadro do amor, permeado pela lembrança das jabuticabas, tão presentes na infância de quem vive no interior. Imagens à margem surpreende pela forma com que se trabalha a inveja num final marcante depois da delicadeza com que se relata as alegrias da infância.

Notícias que navegam é outra história muito marcante. O retrato da hospitalidade interiorana, em meio a um acidente, em Um prato muito especial faz dele um grande relato. Retumbação e Na toca dos porcos são muito divertidos. A crítica política perpassa em Paroba.

Em Lipórter e Vargem de Sant’Ana são excelentes história de fantasmas. Sem contar as outras histórias cada uma com algum traço marcante da vida rural presente ainda em algumas regiões.

Simulacro trata com perfeição o crescimento de um povoado, a partir do aparecimento de um profeta(!?), e sua decadência que nos leva a refletir sobre questões ainda atuais. Em uma obra tão diversificada do ponto de vista temático não poderia faltar o tema do adultério, como podemos ver em Máquina de descascar arroz.

Já O dito pelo não feito é um marcante relato sobre a honra e a desonra. Já em Pacheco temos o tema da morte, e o da angústia existencial, vivamente retratados.

Viajantes noturnos, O rancho, Quando o familiar é estranho, Ataliba, Os tropeiros de água limpa e Sanhaço verde são belos e fascinantes quadros da vida do sertão.

Surpreende que todos contos tenham sido coletados oralmente e se ficaram mais histórias fora do livro deveria publicar outro volume. O livro é de tão prazerosa leitura!
Rodrigo Conçole – UNISUL – Universidade/RJ